O bullying já é considerado um problema de saúde pública no Brasil. Uma pesquisa do Fundo das Nações Unidas para Infância (Unicef) aponta o Brasil como quarto país com maior prática de bullying no mundo. Dados mostram que 43% dos estudantes de 11 a 12 anos disseram ter sido vítimas de violência física ou psicológica na escola pelo menos uma vez em outubro do ano passado.
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Algumas vezes, o bullying é erroneamente encarado como uma simples brincadeira, mesmo no meio estudantil, principal ponto de encontro de crianças e adolescentes.
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No ambiente escolar, o bullying pode ser definido como uma forma de agressão praticada por um ou mais estudantes contra outro(s), de maneira intencional e repetidamente, que ocorre sem motivação evidente, causando dor e angústia – sendo caracterizada também pela relação desigual de poder.
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Com os recursos proporcionados pelas novas tecnologias há ainda outro desdobramento dessa forma de violência: o ciberbullying, que é a prática do bullying no ambiente virtual. Isso evidencia como essas manifestações de violência se modificam e se atualizam de acordo com o contexto histórico-social e tecnológico. Para alguns pesquisadores dessa área, essa forma de manifestação de violência contra a dignidade do outro pode ser ainda mais devastadora do que aquela própria da convivência ou do relacionamento direto entre agressor e vítima, porque o seu alcance é ainda maior devido à capacidade de propagação nas redes virtuais.
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É fácil concluir, portanto, porque o bullying é considerado problema de saúde pública. Ele afeta o relacionamento social, o desempenho escolar e a saúde de crianças e adolescentes. As dificuldades de relacionamento entre pares na escola é uma realidade comum. Muitas crianças e jovens não encontram condições para estabelecer um vínculo significativo com os colegas. Geralmente, essas dificuldades estão relacionadas a como as crianças e jovens se sentem em relação a traços específicos da identidade (ser gordo, magro, alto, baixo, negro, usar óculos, o tipo de cabelo, o tipo de roupa que usa, problema físico etc.). Os agressores passam a explorar isso para humilhar o outro.
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Uma coisa importante para os educadores é identificar o bullying. Mesmo sabendo que os jogos de ofensas entre os jovens são corriqueiros não se pode ignorar as manifestações de violência, seja na sala de aula ou fora dela. A humilhação e os ataques contra a dignidade humana não podem ser confundidos com brincadeiras, e o que caracteriza o bullying é a opressão. Não negligenciar as situações de agressão é fundamental para a superação do problema.
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A cultura de paz está no ideal pedagógico dos educadores e das escolas, mas essa harmonia será uma realidade se houver a atuação da organização escolar com vistas a atingir esse objetivo. Logo, nunca é demais lembrar que toda aspiração pedagógica deve ser seguida de um conteúdo programático que conduza a essa realidade. Nesse sentido, eu descreverei um exemplo concreto de reversão da ordem, em que uma escola sai da situação de violência e de indisciplina e passa a ser referência de inclusão dos seus alunos.
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Quando eu e a minha equipe assumimos a gestão da escola Infante Dom Henrique, em São Paulo, logo na primeira reunião com os professores, nós fizemos a seguinte dinâmica: entregamos seis papeis para os professores e funcionários, sendo três da cor azul e três da cor verde. Em seguida, as pessoas deveriam escrever em cada um dos papeis azuis os problemas que identificavam na escola e em cada um dos papeis verdes as propostas para se resolver esses problemas, de modo que cada uma das pessoas tinha que apontar pelo menos três problemas e as três sugestões de resolução desses problemas.
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Feito isso, nós montamos um painel e criamos categorias a partir do que era identificado nos papeis. Como resultado, identificamos três grandes problemas na escola: a) a indisciplina; b) a violência (incluindo o bullying) e c) a falta de comunicação. Constatamos várias formas de violência, a desagregação e o sentimento de impotência dos educadores para lidar com esses problemas na escola.
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A partir disso, reagrupamos as propostas de solução desses problemas que versaram sobre incluir esses temas na pauta de formação da escola; trabalhar com projetos voltados para a formação de valores; formas de ensino e de aprendizagem mais colaborativas, para estimular a solidariedade entre os alunos e professores; criar formas efetivas de comunicação como murais para professores e alunos e momentos de conversas regulares para discutir problemas e a organização da escola, que demos o nome de reuniões de articulação.
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Criamos, então, o Projeto Político-Pedagógico (PPP) intitulado “Valores que não têm preço”, sendo que cada valor (tema) passou a ser trabalhado bimestralmente. O primeiro valor foi o respeito, em seguida a amizade, a família e a solidariedade. Para iniciar o trabalho com o tema respeito foram distribuímos folhas para todas pessoas e de todos os segmentos da escola (alunos, professores, funcionários, coordenadores, gestores) com a seguinte frase a ser completada: “Me sinto desrespeitado quando”… As respostas resultaram em um painel imenso que ocupou duas paredes de um dos corredores da escola. A participação foi efetiva, todos aderiram à proposta, e ficou evidente que muitas pessoas na escola estavam incomodadas e queriam dar um basta naquela situação.
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Esses temas eram transversais e projetos interdisciplinares foram criados, inclusive no campo das artes visuais com quadros pintados pelos alunos, que foram emoldurados, transformados em obras de arte e distribuídos pela escola, além de produções literárias, algumas das quais publicadas no livro “Talentos Literários”, organizado por uma das nossas escolas parceiras, cabendo a nós um dos capítulos com dez textos e uma ilustração para esse capítulo. Desde então, um desses textos passou a ser também a epígrafe do nosso PPP.
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Em relação à comunicação e à participação. nós reorganizamos o grêmio estudantil e criamos o conselho de representantes de classe, sendo que cada uma das 20 classes, distribuídas em dois períodos, tinham direito a dois representantes. Esse conselho se reúne quinzenalmente com o grêmio para discutir a situação da escola. Criamos também os conselhos bimestrais participativos com a presença dos alunos de cada sala, os seus professores, membros da coordenação e direção e dos pais ou responsáveis.
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Dois anos depois, a situação foi alterada completamente. Antes, prevalecia a violência, a indisciplina e o desrespeito, até mesmo a violência física (os alunos saíam em vias de fato). Carteiras eram atiradas em professor. Depois, passou a imperar a disciplina, o respeito e a solidariedade entre todos, inclusive em relação aos alunos estrangeiros. Esses eram os que mais sofriam o preconceito e a discriminação na escola. Nesse caso, a formação em serviço foi importante para compreendermos que o bullying existia na escola, mas esse conceito não podia ser aplicado em casos de alunos estrangeiros, pois o tipo de violência que eles sofriam era a xenofobia. Ou seja, além do bullying, que não era um problema simples de resolver, nós tínhamos também a xenofobia, que é o temor, a antipatia e/ou preconceito contra o estrangeiro.
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Resumindo, o nosso ideal de escola passou a ser algo possível de se conquistar a partir de um conteúdo programático que consistiu na identificação dos problemas, na discussão das formas de resolução e nas estratégias para alcançar os efeitos desejados. Os resultados obtidos de fevereiro de 2011 até dezembro de 2017 foram impressionantes. Até dezembro de 2014, nós superamos a violência física, o bullying, a xenofobia e a desorganização da escola. Em 2015, a escola foi a 2ª colocada no Prêmio Educação em Direitos Humanos, promovido pela Secretaria de Direitos Humanos da cidade de São Paulo. Em janeiro de 2017, a instituição foi certificada pela UNESCO e passou a ser uma de suas escolas associadas. Nesse mesmo ano conquistamos quatro prêmios, três dos quais em projetos de inclusão e integração entre os alunos, principalmente em relação aos alunos estrangeiros, que correspondem a 20% do total de estudantes da escola.
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É importante destacar que entre as crianças e jovens a tiração de sarro está entre as formas de socialização mais frequentes. As brincadeiras fazem parte de um conjunto de práticas relacionais entre esses sujeitos. É por meio delas que eles fazem amizades e, às vezes, ganham até prestígio entre os colegas por essa habilidade de se divertir, de divertir os outros e de animar as rodas de conversa. No entanto, em muitos casos, a linha que separa a brincadeira do bullying é tênue.
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O bullying como forma de violência passa a ser real quando há a violação da dignidade do outro e contém uma gravidade intrínseca. É uma agressão intencional e repetida, que passa pela desqualificação do outro em forma de constrangimento. Esse constrangimento, na maior parte das vezes, é feito ao apontar características físicas ou identitárias da vítima.
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Apesar de ser um problema complexo e presente na sociedade brasileira, o bullying pode ser combatido ou minimizado no ambiente escolar, se os gestores e professores o enxergarem com um problema. Não como um problema no sentido de ser algo ruim ou que não tem solução. Ele deve ser visto como um problema na acepção que essa palavra comporta, no sentido de reconhecer o impasse ali colocado, olhar para ele e buscar soluções coletivas, primando pelo diálogo, inclusive conscientizando os agressores, para que o respeito e a dignidade sejam os valores que balizem as interações sociais na escola.
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Tanto mais valor terão as ações criadas para combater o bullying, as escolas e os seus professores quanto mais se entenderem que as crianças e jovens poderão se tornar seres humanos mais excepcionais a partir das oportunidades que lhes são oferecidas no ambiente educativo. A esse respeito já dizia Simone de Beauvoir: “É do ponto de vista das oportunidades concretas dadas aos indivíduos que julgamos as instituições”.
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Fonte: https://gestaoescolar.org.br/conteudo/1974/como-combater-o-bullying-na-escola