Quando em 1982 a Johnson & Johnson enfrentou uma grave crise em resultado da adulteração criminosa de embalagens do seu medicamento Tylenol, com cianeto, em supermercados da região metropolitana de Chicago, ninguém imaginava que se tornaria na grande referência para a mudança de paradigma na gestão da comunicação de crise das organizações contemporâneas. E os dias de hoje levam-nos a revisitar o caso Tylenol.
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O Tylenol era o produto mais bem-sucedido da marca nos Estados Unidos, tendo sido responsável por 19% dos lucros da empresa durante os três primeiros trimestres de 1982. O Tylenol era o líder absoluto entre as marcas de analgésicos, controlando uma quota de 37% do mercado norte-americano. Como indicou Berge (1990), à época, se o Tylenol fosse uma empresa, os seus lucros tê-lo-iam colocado nos primeiros lugares do ranking da Fortune 500.
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Mas as mortes por envenenamento, resultantes da toma de cápsulas de Tylenol adulteradas com cianeto de potássio (num total de sete pessoas nos casos originais, mas seguidas de outras mortes em crimes subsequentes por imitadores), conduziram a Johnson & Johnson a uma crise sem precedentes. Robert Andrews, na época diretor de Relações Públicas da empresa, lembra como tudo começou: “Recebemos um telefonema de um jornalista de Chicago. Ele disse-nos que o médico responsável pelas autópsias tinha acabado de dar uma entrevista aos média, afirmando que as pessoas estavam a morrer de Tylenol envenenado. O jornalista queria um comentário da empresa. Como foi a primeira vez que ouvimos falar sobre o assunto, respondemos que não sabíamos de nada. Nesse primeiro telefonema, aprendemos mais com o jornalista do que ele connosco” (Berge, 1990).
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O relato de Andrews aponta para algo que se tornou fundamental no entendimento atual das várias dimensões de uma “crise organizacional”: a relevância da comunicação. Desde então, a literatura das Ciências da Comunicação define “crise” como todo o evento que torna a organização suscetível de uma atenção generalizada e particular, sobretudo por parte dos públicos internos e de alguns grupos externos especiais, como os média, os acionistas, os políticos ou os grupos de pressão, com os quais é necessário comunicar. A esta leitura veio juntar-se na última década a preocupação com a expansão dos média online e das redes sociais digitais. Estes canais passaram a ser os primeiros a entrar em cena em momentos de crise, divulgando informações sobre os acontecimentos, muitas vezes, antes da própria organização conseguir falar em público.
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Em 1982, no entanto, o ambiente da Johnson & Johnson era mais tradicional, ainda que o tempo de reação para a rádio, a televisão e a imprensa exigisse já rapidez de decisão. Assim, a primeira mensagem a sair para os média foi de que a empresa não estava disposta a correr riscos em matéria de saúde pública, mesmo que isso lhe custasse milhões de dólares. Entretanto, internamente o trabalho era complexo. A empresa montou um gabinete de crise, falou com os seus públicos internos – a quem pediu, nomeadamente, para reorganizar o modo de produção e embalagem do Tylenol -, ordenou a recolha do produto e iniciou uma campanha de comunicação destinada a apelar aos consumidores para não usarem o fármaco. O resultado final foi o entendimento generalizado de que a empresa fora a vítima infeliz de um crime malicioso .
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A gestão de crise da Johnson & Johnson não foi perfeita. Longe disso. A empresa não tinha um plano de crise. O tempo de reação foi lento. Foram precisas 7 mortes até que o assunto fosse considerado relevante. Mais, foi necessário o telefonema de um jornalista para que a empresa percebesse o que estava a acontecer. Na verdade, a Johnson & Johnson não tinha um programa proativo de monitorização e relação com os média, antes da crise. E centrava a sua comunicação em campanhas de publicidade. Por isso, os média foram, inicialmente, muito críticos com a empresa, de tal modo que esta se viu forçada a informar os públicos através de mensagens publicitárias. Contudo, em pouco tempo a Johnson & Johnson percebeu que tinha de mudar de estratégia e a recuperação foi bem-sucedida.
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A empresa voltou-se para os seus colaboradores para explicar claramente o que havia acontecido e pediu uma auditoria na linha de produção do Tylenol, mas garantiu ter total confiança no seu profissionalismo e dedicação. Estes colaboradores procuraram incessantemente explicações e soluções para a adulteração do produto, tornando-se fontes de informação privilegiada para a família, vizinhos e comunidade mais próxima. No prazo de um mês, a equipa criou uma embalagem para o Tylenol, desta vez inviolável, que a empresa apresentou aos média numa das muitas conferências de imprensa que se tornaram, entretanto, recorrentes nas suas práticas de gestão de crise.
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Em dois meses, o Tylenol voltou ao mercado, num regresso acompanhado pelos média e por uma extensa campanha publicitária. Um ano depois, a sua quota no mercado de analgésicos norte-americano era já de 30%. James Burke, o presidente da empresa, nunca abandonou o lugar.
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Mas o que destacou realmente a crise da Johnson & Johnson de outros casos? Vários fatores. Envolveu a morte de pessoas, o que a eleva ao nível máximo de gravidade na tipologia de “crise”. Aconteceu sob o olhar atento de todo o país (o assunto recebeu a maior cobertura noticiosa nos EUA desde o assassinato do presidente John F. Kennedy, nos anos 60). E a resposta da empresa colocou as pessoas em primeiro lugar, como nunca antes tinha sido visto. Retiraram do mercado 31 milhões de frascos de cápsulas de Tylenol e ofereceram gratuitamente aos consumidores produtos de substituição. Envolveram os colaboradores e fizeram-nos parte da solução. Lidaram com os jornalistas de forma disponível e próxima. Fizeram da crise um guia de lições aprendidas, que impregnou a cultura da empresa até aos dias de hoje.
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E os dias de hoje levam-nos a revisitar o caso Tylenol.
No dia 3 de Março de 2020, a Organização Mundial de Saúde declarou que o mundo enfrentava uma pandemia de Covid-19, contando já com 118 mil infetados em 114 países e 4291 mortos. Isto, apenas três meses depois de a doença ter sido detetada em Wuhan, na China. Disto resultou a implementação de medidas de distanciamento social pelos governos de diferentes países, nomeadamente pelo Estado Português. Estava declarada uma situação de crise de saúde pública muito grave com previsível impacto estrutural na economia e na sociedade. Com isso, as empresas e instituições nacionais tiveram de adotar medidas urgentes de proteção dos seus colaboradores e da sociedade, mas que as deixaram altamente fragilizadas. Neste contexto, nem sempre conseguiram gerir a comunicação de modo estratégico. Os casos de reação tardia, ausência de comunicação interna ou informação negligente são muitos.
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É certo que a situação que enfrentamos atualmente constitui um ambiente de crise de dimensões incomparáveis à da Johnson & Johnson. Mas se olharmos bem para os manuais de crise, que surgiram desde os anos 80, vemos que as regras básicas não se alteram com a proporção dos acontecimentos. São estas: preparar, conter, superar.
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Na verdade, o planeamento da gestão e comunicação de crise deve ocorrer sempre antes de esta acontecer. Embora a natureza exata de uma crise não possa ser adivinhada de antemão, o rumo geral que as crises podem tomar são evidentes e podem ser estudados previamente (de acordo com o setor de atividade). Algo que as organizações tendem a negligenciar em tempos de tranquilidade.
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Uma vez em situação de crise, a organização deve assumir a total responsabilidade pelos acontecimentos. O apurar da culpa deve ficar para mais tarde. Esta é a altura de cuidar das pessoas e cooperar com as autoridades.
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A primeira medida a tomar deve ser a de reunir o Gabinete de Crise, cuja constituição e sistema de alerta devem ter sido definidos antecipadamente. Trata-se de um grupo de pessoas com responsabilidades várias na organização, mas incluindo necessariamente a gestão de topo e o diretor de comunicação. A este grupo cabe a missão de iniciar a análise da situação de crise e o planeamento da resposta. Para isso, é central que exista na empresa/instituição um Manual de Crise onde consta informação detalhada sobre todos os seus públicos, incluindo os que são prioritários em situação de crise, e sobre os seus pontos débeis e táticas destinadas a superá-los, de forma planificada e ordenada.
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Logo às primeiras horas da emergência da crise, a organização tem de comunicar. Deve fazê-lo de forma ativa e transparente, com uma mensagem unificada e inabalável. Os primeiros a ouvir a voz da organização devem ser os colaboradores. Estas pessoas são a organização e todas serão necessárias na solução. Só depois disso é que a organização está preparada para falar aos média, os multiplicadores da mensagem aos públicos externos. Em seguida, é preciso monitorizar e alimentar os canais online e as redes digitais.
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O tom de comunicação deve ser de preocupação, mas simultaneamente de tranquilidade. As medidas a adotar devem ser partilhadas com segurança e firmeza, mas também acompanhadas de emoções positivas. Mostrar a gravidade da situação é importante, mas dar esperança tem de ser o passo seguinte.
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E, enquanto isso, criam-se grupos de trabalho que desenham planos estratégicos de reabilitação de longo prazo e de restabelecimento da confiança das populações afetadas. A recuperação deve ser preparada desde o primeiro dia da crise. É preciso preparar os novos ambientes para acolherem as pessoas, com as pessoas.
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