O gerenciamento de não conformidades é um processo comum em empresas que possuem sistemas de gestão consolidados, sejam esses com base em normas como as da série ISO, ou não. Esse não é um assunto novo, mas gostaria de explorar aqui um pensamento mais sistêmico sobre o tema.
Quando falamos de não conformidades, geralmente é uma abordagem mais individual de gerenciamento: não conformidades atrasadas, ações que não foram executadas, forma de atuar diretamente com os responsáveis, enfim, no máximo a gente vê o percentual de NCs atrasadas, ou até as classificações por tipo ou responsáveis, faz um Pareto e pronto, acabou a análise.
Eu não sou uma expert em projetos, mas vou falar aqui sobre o que eu aprendi observando a gestão de projetos e não conformidades nas empresas que eu conheço.
Como funciona a gestão de projetos?
De maneira bem simplista, um projeto é um esforço temporário aplicado para criar um produto, serviço ou resultado único. Ou seja, um esforço que tem início, meio e fim, e que vai gerar um resultado final.
Quando uma empresa começa a ter muitos projetos, em muitas áreas diferentes, é comum que se estabeleça uma gestão de portfólio de projetos. Não vou aprofundar muito nos conceitos, mas de forma geral, essa gestão orquestra os projetos da empresa. Ele consolida os projetos da empresa, ou de uma área específica, com o intuito de gerenciar melhor os recursos compartilhados e obter melhores resultados.
Isso significa que ela reúne as informações e gerencia os recursos (humanos, financeiros, tempo, entre outros) para que os responsáveis dos projetos consigam executá-los, trabalha para tirar as pedras do caminho e assegura que os projetos executados estejam alinhados com os objetivos da organização
Para que um portfólio funcione bem, existe uma distinção muito clara entre o que é um responsável do projeto e a gestão de portfólio de projetos. O Portfólio tem por função ajudar o gestor do projeto a remover os impedimentos e prover informações para alta direção sobre qual a situação e resultado dos projetos na empresa, evidenciando os impactos que essa situação e resultado geram.
Enquanto o gestor, ou responsável, do projeto trabalha no dia a dia do projeto para garantir sua execução. A gestão de portfólio garante essa sincronicidade entre projetos, recursos, objetivos estratégicos e resultados.
O gerenciamento de não conformidades vs projetos
Quando a gente pesquisa “gerenciamento de não conformidades”, as primeiras imagens que aparecem são como essa:
O que é natural, pois esse, é realmente um processo de não conformidades. E de forma geral, se fizermos um paralelo entre projeto e não conformidade, veremos que, o que difere é que a não conformidade se trata de um problema, algo que saiu fora do planejado, mas de forma geral, caberia nessa definição tranquilamente: um esforço que vamos fazer, em um prazo determinado, para gerar um resultado, neste caso, a mudança ou a criação de um processo.
Assim como os projetos, as não conformidades devem ser gerenciadas de forma individual, pelo próprio responsável do projeto. Ou seja, a dinâmica é bem parecida, muda-se apenas o tema.
Acontece é que quando falamos de não conformidades, também temos várias para gerenciar ao mesmo tempo, assim como acontece com os projetos, mas não criamos um portfólio de não conformidades, não correlacionamos com os objetivos estratégicos da empresa, não distribuímos os recursos e, às vezes, nem tomamos a postura de ajudar a tirar os impedimentos para que as pessoas executem as ações de não conformidades.
Aqui temos uma mudança bem significativa.
Na maior parte das empresas que eu visito, vejo o profissional da qualidade andando feito um doido na empresa tentando fazer o responsável pela NC ter alguma responsabilidade, de fato, sobre a NC.
“Fulano, você conseguiu trabalhar nisso?”…“ Siclano, você separou tempo essa semana para trabalhar nisso?”… “ A ação dessa NC está atrasada, vai dar tempo de fazer essa semana?”.
Se você nunca falou uma dessas frases, pelo menos você já ouviu. Eu já ouvi, rs.
Essa é uma postura de micro gerenciamento, apropriada ao responsável projeto para que garanta a execução das ações. O que não pode acontecer é você, responsável pelo processo de gestão de não conformidades da sua empresa, deveria ter uma função muito mais semelhante de uma gestão de portfólio do que de gestão de projetos.
E nem estou dizendo que isso é fácil, viu? Acredito que há muitas questões culturais aí no meio, mas trago a reflexão se você deixa esse limite claro, tanto para os responsáveis quanto para a alta direção.
Qual é o propósito do processo de gerenciamento de não conformidades da sua empresa?
Como todo processo tem um objetivo, o propósito do processo de gerenciamento de NCs da sua organização poderia estar voltado a incorporar melhorias nos processos a fim de gerar mais eficácia nas atividades que fazem. Esse é um resultado nobre e muito válido. Qualquer Alta Direção em sã consciência que visse esse objetivo diria “eu quero isso para minha empresa”.
A questão é que vejo as pessoas da qualidade fazendo um trabalho de micro gerenciamento ao invés do trabalho sistêmico que deveria fazer. O trabalho de portfólio, que conecta o trabalho de não conformidades com a estratégia, que mede o ROI das ações feitas e mostra o impacto das não feitas.
E isso não significa que você não pode ajudar, você deve ajudar! Esse é o seu papel. Mas os papéis devem estar claros, assim como é na dinâmica dos projetos. O que o responsável pela não conformidade faz? Esse papel tem que estar bem definido e comunicado para a alta direção, para o responsável pela NC e para VOCÊ.
Enquanto você está cobrando ação por ação de não conformidade (que é o trabalho do responsável da NC), o trabalho voltado a estratégia e melhoria sistêmica da empresa não está sendo feito, e quem perde com isso?
Todos na organização.
A Alta Direção perde de ter uma visão estratégica e conectada sobre qualidade, o responsável pela NC por ser “furtado” dele a oportunidade de desempenhar o papel que é só dele e você, que não consegue mostrar os resultados reais do trabalho de melhoria na empresa.