Durante este período pandêmico, muito tem sido debatido se a infecção pelo Coronavírus poderia ser considerada como ocupacional.
Temos observado aumento vertiginoso da notificação dos casos no país, assim como crescente estatística de hospitalização de brasileiros em leitos de CTI, além de óbitos por esta doença.
A imprensa nacional e estrangeira tem apresentado significativa quantidade de profissionais de saúde contagiada, inclusive sobrevindo a óbito.
O foco deste artigo envolve especialmente os casos infecciosos mais graves que acometem os trabalhadores, impondo um afastamento prolongado de seu labor ou mesmo óbito.
Neste sentido, muitos questionam a responsabilidade civil do empregador (que tem o dever de cuidado com seus subordinados, além de assumir os riscos do empreendimento) e a possibilidade de abertura de CAT (comunicação de acidente de trabalho). Esta última circunstância produziria uma série de reflexos no mundo jurídico trabalhista e previdenciário, dentre eles a estabilidade acidentária, consignação do FGTS do trabalhador no período de licença previdenciária, majoração do FAP (fator acidentário de prevenção) da empresa, pleito de indenizações judiciais, dentre outros.
Entendimentos diversos tem sido apresentados, alguns advogam que a situação de pandemia por si só descartaria a possibilidade de acidente de trabalho.
O art. 29, da Medida Provisória nº 927/2020 leciona:
“Art. 29. Os casos de contaminação pelo coronavírus (covid-19) não serão considerados ocupacionais, exceto mediante comprovação do nexo causal.” (grifo nosso)
Nesta análise preliminar, o normativo pátrio prevê a possibilidade da infecção como ocupacional. Não como regra, mas nos casos em que possa ser comprovado o nexo de causalidade.
A Medida Provisória supracitada está em sintonia com a Lei federal previdenciária nº 8.213, art 21, inciso III:
“Art. 21. Equiparam-se também ao acidente do trabalho, para efeitos desta Lei:
III – a doença proveniente de contaminação acidental do empregado no exercício de sua atividade.”
Neste sentido, conseguimos responder a pergunta do título deste artigo: a resposta é sim! Todavia, a resposta afirmativa não encerra questionamentos sobre o assunto. Muito pelo contrário! Surgem mais dúvidas do que certezas. Senão vejamos.
Inicialmente, um trabalhador que afastasse do trabalho por mais de quinze (15) dias e fosse encaminhado ao INSS apenas com o atestado do médico assistente motivado por “CID-10 – J 06 –caso suspeito de COVID-19 OU B34.2 – caso confirmado de COVID-19” não teria “a priori” a concessão de benefício na modalidade acidentária (B91 – auxílio por incapacidade temporária acidentário), mas sim B31 – auxílio por incapacidade temporária previdenciário/comum. Portanto, todos os reflexos trabalhistas e previdenciários supracitados não existiriam.
Digo “a priori”, pois existe a ressalva do médico perito previdenciário enquadrar aquela licença-saúde como acidentária via nexo individual, seja por meio de CAT apresentada pelo segurado (emitida pelo empregador) ou pela própria experiência do perito diante do caso concreto.
Feito esta ressalva, todos os demais casos não serão enquadrados pela perícia previdenciária como de natureza acidentária, uma vez que não se constata a patologia como doença profissional nos anexos A e B do decreto 3.048 (nexo profissional) ou na matriz do NTEP (nexo técnico epidemiológico previdenciário), ambos em rol taxativo (numerus clausus).
Portanto, caberá ao trabalhador recorrer administrativamente ao INSS pelo reenquadramento (B31 par B91), o que será pouco exitoso caso o segurado não apresentar documentação robusta que comprove seu pleito.
Por conseguinte, restará ao colaborador recorrer ao judiciário (Justiça do Trabalho) para pleitear, dentre outras coisas, reconhecimento de doença ocupacional/acidente de trabalho. Mas como comprovar o nexo de causalidade nestes casos?
A comprovação pode ser feita com diversas evidências de exposição ocupacional:
I – Averiguação do suposto período/intervalo de contágio do trabalhador pelo vírus e a comprovação de que o colaborador estava na linha de frente do atendimento, com casos documentados (por coronavírus) de pacientes atendidos na instituição na referida data;
II – Comprovação de ausência de treinamento e de medidas de proteção individual, coletiva e/ou administrativas adotadas na empresa para esses trabalhadores;
III – Comprovação de ausência de fornecimento de EPI (equipamento de proteção individual) ou fornecimento irregular dos mesmos, especial destaque no período provável da infecção. Também assume singular importância as evidências de denúncias quanto a estas irregularidades junto ao órgão de fiscalização de classe e de representação (CFM, COREM, Ministério Público do Trabalho, Sindicatos, ofícios direcionados ao diretor técnico/clínico, dentre outros);
IV – Comprovação de inexistência de medidas gerais de higiene dos ambientes no qual estes trabalhadores laboram;
V- Comprovação de elevado risco de contaminação biológica pelo exercício profissional em si (tempo de exposição prolongado, frequência excessiva e elevada carga viral), não podendo ser atribuído este risco unicamente como “risco social”.
Tanatopraxistas, médicos legistas, plantonistas de CTI, profissionais do ambulatório de doenças infectocontagiosas, profissionais de saúde de análises clínicas (em especial ao setor de microbiologia) são profissionais que frequentemente se expõem a este vírus, por ocasião da pandemia.
VI – Comprovação de que o trabalhador por si só adotava medidas de proteção em seu ambiente extra laboral (isolamento social, medidas de higiene, etc);
VII – Características pessoais do trabalhador: idosos, demais grupos de risco/co-morbidades.
Importante destacar que cabe ao empregador ponderar esta variável no intuito de não expor o empregado em atividades com elevado risco de contaminação biológica, neste momento.
VII -Literatura científica, dados epidemiológicos (boletim epidemiológico da doença na localidade, curva de infecção, estatísticas acerca de obituários e casos graves desta patologia que consideram como variável o trabalho daqueles pacientes acometidos).
Em termos científicos é observado “transmissão entre médicos em 25% dos casos, incluindo transmissão para membros da família (20,8%), para pacientes (4,2%) e para amigos (4,2%)(…) não utilizar a máscara N95 foi um fator de risco (OR: 5,20 com 95% de intervalo de confiança entre 1,9 a 25). Utilizar máscaras o tempo todo foi um fator protetor (OR: 0,15).”
(Fonte: The Orthopaedic Forum – Survey of COVID-19 Disease among orthopaedic surgeons in Wuhan, people’s republic of China – The journal of bone & joint surgery – Xiaodong Guo, MD, Jiendong Wang, MD, et al).
Com este tópico, aproveito para ressaltar que não apenas profissionais de saúde podem ser acometidos ocupacionalmente pela COVID-19!
Um exemplo simples seria aquela doméstica que “dorme no serviço” e não retorna para sua casa após a jornada de trabalho e que se vê contagiada pelos patrões que tiveram laboratorialmente a COVID-19 documentada. No caso em tela, o nexo ocupacional seria evidente.
Uma vez estabelecida a demanda na seara judicial trabalhista ficará uma outra situação a ser enfrentada: o ônus da prova.
Em virtude da hipossuficiência do trabalhador, em tese ocorreria a inversão do ônus probandi. Desta maneira caberia a empresa provar que NÃO foi responsável pela infecção viral. Tudo o que discorremos acima seria então encargo da empresa na questão probatória?
Sinceramente teremos que acompanhar as decisões judiciais futuras e buscar paradigmas de jurisprudências na justiça do trabalho por contágio por H1N1/ SARS, etc. enquadradas como ocupacional.
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