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NOVIDADES EM TEMPO DE COVID-19: AMBEV JÁ USA APP QUE RASTREIA CONTÁGIO. EMPRESAS PODEM OBRIGAR?

A Ambev passou a usar um aplicativo que rastreia aproximações entre funcionários para evitar possíveis surtos de coronavírus em suas fábricas. Opcional para os trabalhadores, o app MPI (Mapeamento Preventivo de Interações) consegue saber as pessoas com quem um funcionário diagnosticado com Covid-19 interagiu no trabalho.

Esta é uma das estratégias de Ambev para manter fábricas em atividade e com mais segurança, já que a cervejaria se enquadra entre os serviços essenciais da crise por fornecer bebidas. Mas segundo especialistas, o app não pode ser considerada uma solução definitiva de prevenção e nem pode ser obrigatório para trabalhadores.

Conceitos semelhantes de rastreamento de contatos são usados por países asiáticos e têm crescido no mundo ocidental. França e Itália lançaram apps do tipo, enquanto regiões dos EUA também planejam adotar a solução.

“Fomos pesquisar na Ásia, de onde a epidemia estava vindo, e vimos que vários países estavam usando rastreamento por bluetooth. Lá o governo obrigava. A agente sabia que aqui não seria assim, então criamos de uma forma que as pessoas quisessem usar”, conta ao Tilt Rodrigo Sigwalt, gerente corporativo de tecnologia da Ambev.

COMO FUNCIONA O APP

Criada pelo startup brasileiro Nearbee, a solução usa o recurso bluetooth para captar contatos entre pessoas que estejam com o app ativado —como se fosse um “aperto de mãos” remoto e automatizado entre os aparelhos.

O aplicativo classifica as interações em quatro níveis. O nível um é um contato de menos de 30 segundos com distância de seis metros, e o nível quatro é um contato de dois metros por 15 minutos. Se uma pessoa for diagnosticada com coronavírus, os colegas registrados no nível quatro serão direcionados pelo médico da fábrica a ficar em casa monitorando sintomas e a fazer testes.

A ferramenta funciona até sem sinal telefônico, e o funcionário pode interromper a qualquer momento o uso do bluetooth pelo app se quiser. Ao desligar o aparelho, a ferramenta também é interrompida. Mas o aplicativo funciona em um tipo de bluetooth de celulares lançados a partir de 2014, o que pode limitar o número de pessoas que podem adotar a solução.

“Conseguimos identificar tanto o tempo de interação como a proximidade para fazer um recorte”, explica Felipe Fontes, fundador da Nearbee.

Apesar de Apple e Google terem criado APIs voltadas a ferramentas do tipo, o app da Nearbee usa uma solução própria, desenvolvida antes da pensada pelas gigantes de tec, e com os dados armazenados em nuvem.

Segundo a empresa, os dados coletados são apagados a cada 30 dias. Por enquanto, o aplicativo só está disponibilizado para o sistema Android —a empresa trabalha na versão para a plataforma iOS.

A solução começou a ser usada em projeto piloto da Ambev em Jaguariúna no início de abril e agora já está sendo aplicado em 65 operações na América do Sul. O aplicativo será expandido para a América Central e para a África.

A Ambev tem oferecido sua ferramenta a outras empresas. A cervejaria diz que não pretende cobrar pelo app e arcará com os custos de usuários nos servidores —mas, se o número ficar muito alto, pode fazer parcerias para o sistema. O investimento inicial, que sustentaria centenas de milhares de usuários, é de R$ 900 mil. A Nearbee aponta que há cerca de 20 outras empresas brasileiras testando a solução.

EMPRESAS PODEM OBRIGAR FUNCIONÁRIOS?

Por enquanto, a Ambev aponta que o aplicativo é opcional para os funcionários —embora incentive seu uso. Também promete que não captará informações além das necessárias e que respeita a privacidade do funcionário.

Mas se quisesse, a empresa poderia obrigar seus funcionários a adotarem o app? Advogados ouvidos por Tilt apontam que teoricamente não, mas o momento atual pode levar a diferentes interpretações.

“Se o monitoramento ocorre mediante assinatura de termos de uso e em dispositivo corporativo, entendo como válido. Mas se pensarmos na atual pandemia e sem lei específica sobre proteção de dados pessoais, levanta-se questões de invasão [à privacidade] do indivíduo se o monitoramento ocorrer em apps instalados no celular pessoal e sem consentimento expresso”, aponta Gisele Truzzi, advogada especialista em direito digital da Truzzi Advogados.

Para Carlos Affonso Souza, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS Rio) e blogueiro de Tilt, a CLT aponta que o empregador tem poder de direção com relação aos empregados, mas isso precisa guardar relação com o trabalho em si.

“O poder de direção não pode virar escudo para violações de direitos, então o uso obrigatório pode ser questionado. Mas o rastreamento não é para usar dados pessoais para fins comerciais, e sim para proteger a saúde dos funcionários. Isso pode fazer com que a adoção seja mais fácil”, conta.

O Brasil ainda não colocou em vigor a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados), que detalha as bases legais pelas quais se pode coletar e usar dados de terceiros. Para Souza, é necessário identificar primeiro se os dados coletados seriam “sensíveis ou não”. A Nearbee diz que o app já respeita as restrições da LGPD, mesmo que ela não esteja em vigor.

Há um temor sobre soluções tecnológicas adotadas na pandemia terem uma duração maior do que o combate ao coronavírus e virarem problemas de privacidade para os cidadãos, criando uma sociedade de vigilância.

Mais empresas já testam outras soluções digitais contra a covid. A Nestlé testa o mesmo app da Ambev para conter a doença em seus ambientes, entre outras soluções. Em Piracicaba (SP), a fábrica da Hyundai instalou câmeras que medem temperatura para detectar funcionários com febre.

Especialistas elogiam, mas veem falhas:

Especialistas da área de saúde ouvidos pela reportagem acreditam que a solução pode ajudar no controle da pandemia, mas tem alguns buracos que enfraquecem sua eficácia.

“Essa é a forma clássica epidemiológica de fazer controle. Ajuda porque fábricas podem espalhar o vírus e adotando isso conseguiríamos identificar mais rapidamente os contatos”, aponta Mariur Beghetto, epidemiologista e professora de enfermagem da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul).

“Acho o app interessante, mas melhor do que o teste positivo ou negativo seria detectar sintoma. Não só Covid, mas se estou com influenza ou resfriado, não devo ir trabalhar. É questão de educação não expor outras pessoas”, defende Alexandre Barbosa, membro titular da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia).

Mais crítica, a médica Lessandra Michelin, infectologista e uma das diretoras da SBI, diz que não compraria a solução.

“O limite do sistema operacional [só para Android] pode ser um viés, assim como o fato de ser opcional e que depende de como a empresa vende a ideia. Como vai dizer que o funcionário pode ser afastado? As pessoas estão com receio de perder emprego, essa parte trabalhista sendo mexida. É complicado o próprio funcionário autodeclarar que está doente”, alega.

Aplicativos do tipo recebem críticas até de Bill Gates por conta do excesso de “falsos positivos e falsos negativos”. Ele não detecta, por exemplo, um contágio por superfície contaminada. Para especialistas, o uso do app não pode substituir outras medidas como distanciamento e higienização.

“A iniciativa é boa, mas não é perfeita. Tem algumas vulnerabilidades como essa do contágio por contato, mas acho que não invalida. A medida nunca deve ser única, tem que ser trabalhada com outras questões como lavar as mãos, higienização do ambiente”, opina Paulo Petry, mestre e doutor em epidemiologia e professor da UFRGS.

Segundo a Ambev, o aplicativo não diminuiu outras medidas de conter o contágio, como higienização dos ambientes da fábrica. Por sinal, a outra única ação do aplicativo, além do monitoramento, é enviar notificações a cada duas horas para lembrar o funcionário de lavar as mãos.

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Fonte: https://www.uol.com.br